o mar do poeta

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quinta-feira, novembro 18

CONCÍLIO DE CLERMONT - 18 NOVEMBRO 1095 E AS CRUZADAS


 
 
A Primeira Cruzada foi proclamada em 1095 pelo papa Urbano II com o objetivo duplo de auxiliar os cristãos ortodoxos do leste e libertar Jerusalém e a Terra Santa do jugo muçulmano. Na verdade, não foi um único movimento, mas um conjunto de acções bélicas de inspiração religiosa, que incluiu a Cruzada Popular, a Cruzada dos Nobres e a Cruzada de 1101.

Começou com um apelo do Imperador Bizantino Aleixo I Comneno ao papa para o envio de mercenários para combater os turcos seljúcidas na Anatólia. Mas a resposta do cristianismo ocidental rapidamente se tornou em uma verdadeira migração de conquista territorial no Levante.

Nobreza e povo de várias nações da Europa Ocidental fizeram a peregrinação armada até à Terra Santa, por terra e por mar, e tomaram a cidade de Jerusalém em Julho de 1099, criando o Reino Latino de Jerusalém e outros estados cruzados.

A Primeira Cruzada representou um marco na mentalidade e nas relações de cristãos ocidentais, cristãos orientais e muçulmanos. Apesar das suas conquistas terem eventualmente sido completamente perdidas, também foi o início da expansão do ocidente que, juntamente com a Reconquista da Península Ibérica, resultaria na aventura dos descobrimentos e no imperialismo ocidental.


Contexto histórico

No ocidente

As cruzadas em geral, e a Primeira Cruzada em particular, tiveram as suas origens em eventos anteriores na Idade Média. A divisão do Império Carolíngio nos séculos anteriores, e a relativa estabilidade das fronteiras europeias depois da cristianização dos povos bárbaros, criaram toda uma classe de guerreiros que tinham de lutar entre si para obter terras e riquezas.





Mapa da Reconquista cristã da Península Ibérica

No início do século VIII, o califado omíada tinha conquistado o Norte de África, o Egipto, a Palestina, a Síria, e invadido a Península Ibérica. A Reconquista ganhou uma carga ideológica que pode ser considerado o primeiro exemplo de um esforço concertado dos cristãos na conquista de territórios aos muçulmanos, como parte dos esforços de expansão dos reinos cristãos da Península Ibérica, apoiados pelas ordens militares e por mercenários mobilizados por toda a Europa.

Em 1009 o califa fatímida al-Hakim bi-Amr Allah provocou grande indignação por todo o mundo cristão quando ordenou a destruição da igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém. Ao mesmo tempo, com o colapso dos omíadas, várias dinastias muçulmanas menos poderosas, como os aglábidas e os cálbidas, instalaram-se na Sicília e no sul da Península Itálica.

Os normandos conquistaram a Sicília em 1091. O Reino de Aragão no ocidente, as cidades-estado de Pisa e Génova na Itália, e o Império Bizantino no oriente travaram longas lutas contra os reinos muçulmanos pelo controle do mar Mediterrâneo.

A ideia de uma guerra santa contra o Islão parecia aceitável aos poderes seculares e religiosos da Europa ocidental, bem como do povo em geral - para além do incentivo de conquistar territórios e riquezas, que ganhou popularidade com os sucessos militares dos reinos europeus, começou a emergir uma nova concepção política do cristianismo.

A cada vez mais influente Ordem de Cluny estava a estabelecer uma nova organização da religião cristã, cada vez mais centralizada no papa em detrimento da independência dos seus bispos. Esta ideia foi-se expandindo até ao ponto de o papado pretender ser o suserano de todos os reinos europeus, sancionando guerras santas contra as nações heréticas que não aceitassem o domínio da Igreja.





Mapa do Império Bizantino (a vermelho) imediatamente antes da Primeira Cruzada

Deste modo não é surpreendente a união dos reinos cristãos sob a orientação papal, e a criação de exércitos para combater o Islão. As terras que anteriormente à conquista muçulmana tinham pertencido a cristãos, e particularmente as que tinham sido parte do Império Romano ou do seu sucessor Império Bizantino - Síria, Egipto, Norte de África, Hispânia, Chipre - eram vistas como terras invadidas que deveriam ser libertadas.

Acima de tudo, Jerusalém e a Palestina, onde Jesus Cristo e os seus apóstolos tinham vivido, eram lugares santos que sofriam a heresia do domínio dos infiéis.

Em 1074, o papa Gregório VII apelou aos milites Christi (soldados de Cristo) para partirem em ajuda do Império Bizantino no oriente, que sofrera graves derrotas contra os turcos seljúcidas na batalha de Manzikert em 1071. Apesar de este chamado ter sido em geral ignorado e até ter recebido oposição, juntamente com a popularidade das peregrinações à Terra Santa no século XI, concentrou a atenção do ocidente no oriente.

Pregadores como Pedro o Eremita e Gualtério Sem-Haveres popularizaram rumores de agressões de muçulmanos aos peregrinos cristãos a Jerusalém e a outros lugares santos do Médio Oriente. Mas foi o papa Urbano II quem disseminou a ideia de uma cruzada para libertar a Terra Santa. Ao ouvir o seu discurso dramático e inspirador no Concílio de Clermont, a assistência aderiu com entusiasmo à ideia da salvação da alma pela penitência da peregrinação e da luta contra os infiéis.

No oriente

O Império Bizantino também professava a fé cristã mas, devido ao Grande Cisma do Oriente, seguiam o rito ortodoxo. O imperador Aleixo I Comneno governava um território que fazia fronteira com a Europa Ocidental a norte e a oeste, onde se encontrava em conflito com os normandos, e com a Anatólia a oriente, recentemente conquistada pelos turcos seljúcidas.

Mais para oriente, Síria, Palestina e Egipto estavam sob o controlo de várias facções de muçulmanos, herdeiros da fragmentação do império do califado omíada. A Anatólia e a Síria eram controladas pelos seljúcidas sunitas, antes parte do grande império seljúcida que derrotara o Império Bizantino em Manzikert em 1071, mas também fragmentado e em guerra civil desde 1072.





Mapa do califado omíada no seu auge, no século VIII

Diferentes governantes, todos de origem seljúcida, governavam de forma independente o Sultanato de Rum na Anatólia e as cidades-estado Alepo, Damasco e Mossul. Mas estes estados estavam de modo geral mais concentrados na consolidação dos seus próprios territórios e na conquista dos seus vizinhos do que em cooperar para lutar contra os cruzados.

O nordeste da Síria e o norte da Mesopotâmia eram territórios dos ortoquidas, que mantiveram a posse de Jerusalém até 1098. No leste da Anatólia e no norte da Síria foi fundado um estado pelos danismendidas, descendentes de um mercenário seljúcida. E também na Síria, a Ordem dos Assassinos começava a ganhar poder.

Até recentemente, os cristãos da Palestina tinham plena liberdade de culto, desde que realizassem os seus ritos com alguma discrição. Mas desde o início do século XI, começou a ocorrer alguma perseguição religiosa, não só a cristãos como a judeus e a diferentes ramos do Islão. Depois da destruição do Santo Sepulcro em 1109, a perseguição deu lugar a um imposto pago pelos peregrinos cristãos que pretendessem entrar em Jerusalém.

Em pouco tempo surgira o poder seljúcida, bárbaros turcos convertidos ao Islão, agressivos e com uma interpretação estrita da sua fé. As histórias de maus tratos aos peregrinos que chegaram à Europa Ocidental não desencorajavam muitos dos cristãos latinos, que viam assim a sua peregrinação tornar-se num acto ainda mais devoto.

Mas o Egipto e a maioria da Palestina ainda eram territórios dos fatímidas, árabes do ramo xiita em conflito com os seljúcidas. Jerusalém tinha-lhes sido conquistada pelos seljúcidas em 1076, mas depois os ortoquidas conquistaram a cidade, e em 1098, já durante a marcha da Cruzada dos Nobres, Jerusalém voltou para as mãos dos fatímidas.

Inicialmente, os fatímidas não consideravam os cruzados como uma ameaça, assumindo que estes tinham sido enviados pelos bizantinos e que como tal o seu objectivo seria apenas a reconquista da Anatólia e da Síria aos seljúcidas. E de facto Aleixo I Comneno tinha aconselhado os cruzados a aliarem-se aos fatímidas contra o inimigo comum, os seljúcidas. A política própria e o zelo religioso dos cristãos ocidentais iria impedir esta coexistência, o seu objectivo principal era libertar a Terra Santa de quaisquer que fossem os muçulmanos que estivessem a cometer o sacrilégio de estar na posse dos lugares santos.

Concílio de Clermont



O Concílio de Clermont-Ferrand, inaugurado pelo Papa Urbano II em novembro de 1095, foi um sínodo católico que incluiu entre suas decisões a de conceder o perdão de todos os pecados - isto é, a indulgência plena - aos que fossem ao Oriente para defender os peregrinos, cujas viagens tornavam-se cada vez mais perigosas, as chamadas cruzadas.

A repercussão popular da medida tornou-se patente quando o papa, ao anunciá-la, foi aclamado por uma multidão. Ao pregar e prometer a salvação a todos os que morressem em combate contra os pagãos (maior parte constituída por muçulmanos), o Papa Urbano II estava a criar um novo ciclo. Com a campanha "salvação a todos os mortos em combate contra os infiéis", o Papa não estava só garantindo um grande exército, mas também um novo foco bélico às forças que se batiam em lutas internas perturbando a paz na Europa

Iluminura do Concílio de Clermont no Livre des Passages d'Outre-mer, c.1490 (Biblioteca Nacional de França)Em Março de 1095, o imperador bizantino Aleixo I Comneno enviou uma embaixada ao Concílio de Placência para pedir ajuda ao papa Urbano II contra os turcos. Urbano concordou, com a esperança de, ao ajudar as igrejas orientais neste momento de grande necessidade, acabar com o Grande Cisma do Oriente de há 40 anos atrás e reunir a Igreja cristã sob o domíno papal, como «bispo e prelado máximo de todo o mundo».

Com a autoridade papal reafirmada em Placência, Urbano II convocou o Concílio de Clermont a 27 de Novembro, anunciando que no fim da reunião iria fazer uma proclamação de máxima importância para o público em geral. A afluência da nobreza, do clero e do povo a Clermont foi tão grande que, ao contrário das representações artísticas do evento, este não se realizou dentro da catedral, mas sim ao ar livre.

O sermão apaixonado exortou a sua audiência a tirar o controlo de Jerusalém das mãos dos muçulmanos. Referiu-se à violência dos nobres europeus que saqueavam terras europeias e lutavam entre si, e que a solução para este problema era colocar as espadas ao serviço de Deus: «Que os salteadores se tornem cavaleiros.» Ainda anunciou as recompensas que esperavam quem tomasse a cruz, tanto na terra como no céu, uma vez que a cruzada seria uma expedição de penitência, e quem morresse na Terra Santa ou a caminho dela, ganharia o seu lugar no Paraíso - isto é, a indulgência plena. Tudo isto o papa prometia através do poder de Deus que lhe fôra concedido. A multidão reunida foi tomada de um tal entusiasmo frenético que interrompeu o seu discurso gritando «Deus o quer!» (em latim: Deus vult!), frase que seria repetida por toda a Europa.

Considerado um dos mais importantes da história da Europa, o sermão de Urbano II deu origem a diversos relatos, mas estas versões dos acontecimentos foram escritas depois da conquista de Jerusalém, pelo que é difícil saber o que realmente foi afirmado pelo papa e o que foi acrescentado ou modificado depois do sucesso da cruzada. No entanto, a resposta do ocidente ao apelo feito a todos sem distinção, pobres ou ricos, foi claramente superior ao esperado.



O papa Urbano II numa gravura do século XIV

Ao pregar e prometer a salvação a todos os que morressem em combate contra os pagãos (na verdade muçulmanos, na sua maioria), o papa estava a criar um novo ciclo. Com a campanha de salvação da alma a todos os mortos em combate contra os infiéis, Urbano não estava só a garantir um grande exército, mas também um novo foco bélico para as forças que se batiam em lutas internas, perturbando a paz na Europa.

É certo que a ideia não era totalmente nova: há algumas décadas atrás já teria sido declarado que os guerreiros mortos em combate contra os muçulmanos na Itália mereciam a salvação. Mas desta vez a salvação não era prometida numa situação excepcional, seria concedida a todos os que participassem do empreendimento.

Europeus de todas as camadas sociais coseram uma cruz vermelha nas suas roupas, o que lhes deu o seu nome de cruzados. O entusiasmo era tal que muitos venderam ou hipotecaram todos os seus bens para obter as armas e o dinheiro necessários para a expedição. Nobreza e o povo comum procedente da França, do sul da Itália e das regiões da Lorena, Borgonha e Flandres, rapidamente formaram cruzadas separadas.

Cruzada Popular




Pedro o Eremita mostra o caminho de Jerusalém aos cruzados (Iluminura francesa de c.1270)

Durante 1095 e 1096, Urbano continuou a pregar a cruzada pela França e incentivou os seus bispos e legados a fazerem o mesmo nas suas dioceses da França, Germânia, e Itália. O papa ainda tentou proibir algumas pessoas (como mulheres, monges, e os doentes) de participar na cruzada, mas isto revelou-se impossível. O apelo tivera sido tão forte que a maioria dos que tomaram a cruz não foram os nobres, mas sim o povo pobre e mal preparado para a guerra, numa expedição que incluía mulheres e crianças, apoiados numa forte fé em Deus e na salvação das suas almas.

Urbano planeou a partida da cruzada para 15 de Agosto de 1096, no dia santo da Assunção de Maria. Mas meses antes desta cruzada "oficial", um vasto número de plebeus e cavaleiros de baixa estirpe organizaram-se e partiram para Jerusalém de forma independente, acabando por se juntarem em um contingente liderado pelo carismático monge Pedro o Eremita de Amiens - a Cruzada Popular ou Cruzada dos Mendigos.





Judeus sendo mortos por cruzados durante a Primeira Cruzada (iluminura uma Bíblia francesa de 1250)

A Primeira Cruzada também despoletou uma longa tradição de violência organizada contra os judeus, apesar de já há séculos existir anti-semitismo na Europa. Primeiro na França e depois no Sacro Império Romano-Germânico, alguns líderes de grupos de populares interpretaram que a guerra contra os infiéis podia ser aplicável não só aos muçulmanos no Levante - os judeus, vistos por alguns cristãos como os assassinos de Cristo, estavam presentes na maioria das comunidades europeias.

Muitos cristãos não viam motivo para viajar milhares de quilómetros para lutar contra os inimigos do cristianismo, quando estes estavam à porta das suas casas. Grupos pertencentes ao contingente de Pedro o Eremita, ou liderados por outros religiosos como Volkmar e Gottschalk lançaram-se em perseguições às comunidades judaicas dos locais por onde passaram.

A maior e mais violenta destas turbas foi liderada pelo conde Emico de Flonheim. No início do Verão de 1096, cerca de 10 000 cruzados partiram em cruzada, percorrendo o vale do Reno em direcção a norte (na direcção oposta a Jerusalém), e iniciou uma série de pogroms chamados por alguns historiadores de "o primeiro holocausto.

Mas esta interpretação do ideal da cruzada não foi completamente generalizada, com vários membros do clero cristão, como o arcebispo de Colónia, a conseguir proteger em parte a comunidade judaica da sua cidade contra o linchamento do povo. De Colónia, os seguidores de Emico dirigiram-se para sul. A algumas comunidades era oferecida a escolha da conversão ou da morte.

Muitos judeus que se recusavam a converter-se e ouviam as notícias de massacres perto das suas casas cometeram suicídios em massa. Apesar de o papado acabar por pregar contra a purga de habitantes muçulmanos e judeus, este cenário repetir-se-ia inúmeras vezes durante o período das cruzadas.





Iluminura do massacre dos peregrinos da Cruzada Popular na Anatólia

Sem disciplina militar, e nas terras estranhas da Europa de Leste, em pouco tempo estes primeiros cruzados entraram em conflito com os nativos das nações, ainda cristãs, por onde passavam. Juntamente com as diferenças culturais, o problema principal da Cruzada Popular foi a falta de planeamento. Tinham saído da Europa Ocidental antes das colheitas da Primavera, depois de anos de seca e de más safras.

Agora era necessário alimentar toda uma expedição de cerca de 40.000 pessoas e, uma vez que estes se viam como peregrinos a realizar a vontade de Deus, esperavam que as cidades por onde passavam lhes fornecessem alimentos e outros suprimentos de que necessitassem, ou pelo menos que os vendessem a um preço que os cruzados considerassem justo.

As discórdias entre cruzados e locais originaram inúmeros conflitos. Seguindo uma rota ao longo do rio Danúbio, os seguidores de Pedro o Eremita atacaram húngaros, búlgaros e até um exército bizantino em Nish. Nestas lutas, cerca de 10.000 cruzados terão sido mortos, os restantes chegaram a Constantinopla em Agosto.

A capital bizantina era provavelmente a maior e mais rica cidade da Europa na sua época. O contraste entre a civilização requintada do oriente e o bando de peregrinos pobres do ocidente poderia ter sido a receita para um terrível conflito, principalmente com a relutância dos primeiros em fornecer provisões aos segundos. E com mais cruzados a chegar ou a caminho de Constantinopla, Aleixo I Comneno apressou-se a transportar os 30.000 cristãos latinos pelo Bósforo.

Já na Anatólia e devido a conflitos internos, os cruzados separaram-se em dois grupos. Os turcos eram guerreiros experientes e conheciam o terreno, por isso aguardaram e observaram até ao melhor momento para atacar. Um dos grupos ainda tomou uma fortaleza perto de Niceia aos seljúcidas antes de serem cercados, mas depois foram mortos ou convertidos ao Islão e escravizados.

O outro grupo, de cerca de 20.000 cruzados, foi atraído para uma emboscada e massacrado quase na totalidade. Para além de alguns sobreviventes dispersos, apenas cerca de 3.000 peregrinos se conseguiram refugiar num castelo até chegar uma escolta bizantina para os levar de volta a Constantinopla, onde muitos se juntariam à Cruzada dos Nobres.

Cruzada dos Nobres

Em Agosto de 1096 partiu a Primeira Cruzada "oficial", chamada de Cruzada dos Nobres, Cruzada dos Cavaleiros ou Cruzada dos Barões (1096-1099). No total, esta expedição militar organizada, radicalmente diferente do movimento de peregrinos pobres da Cruzada Popular, consistiria em cerca de 30.000-35.000 guerreiros, incluindo 5.000 cavaleiros.




Os líderes da Primeira Cruzada (ilustração de Alphonse Marie de Neuville, século XIX)


Liderada espiritualmente por Ademar de Monteil, legado papal e bispo de Le Puy, a liderança militar era repartida e disputada principalmente por:

Raimundo IV de Toulouse, talvez o mais carismático líder no início da expedição, já tinha participado da Reconquista e era acompanhado pelos cavaleiros da Provença e pelo legado Ademar;

Boemundo de Taranto, líder dos normandos do sul da Itália, velhos inimigos do Império Bizantino, acompanhado pelo seu sobrinho Tancredo de Hauteville;

Godofredo de Bulhão trazia um exército da Lorena, juntamente com os seus irmãos Eustácio III de Bolonha e Balduíno de Bolonha, e foi acompanhado por Roberto II da Flandres e os seus flamengos;

Hugo I de Vermandois, irmão de Filipe I da França, portador do estandarte papal;

Roberto II da Normandia (irmão do rei Guilherme II da Inglaterra) e Estêvão de Blois (neto de Guilherme I de Inglaterra), traziam o contingente do norte da França.

Travessia da Europa

Hugo I de Vermandois comandou o primeiro contingente a chegar a Constantinopla. Saíu da França a meados de Agosto e passou pela Itália, recebendo o estandarte de São Pedro em Roma. No caminho, muitos dos seguidores do conde Emico juntaram-se-lhe após a derrota que tinham sofrido contra os húngaros. Ao contrário dos outros exércitos cruzados que viajaram por terra, este atravessou o mar Adriático, partindo de Bari. Mas uma tempestade ao largo do porto bizantino de Dyrrhachium destruíu muitos dos seus navios. Os sobreviventes foram resgatados pelos bizantinos e escoltados para Constantinopla, onde chegaram em Novembro.




Rotas dos líderes da Cruzada dos Nobres:

Hugo I de Vermandois, Godofredo de Bulhão, Boemundo de Taranto, Raimundo IV de Toulouse, Roberto II da Normandia, Via Egnatia, rota em comumGodofredo de Bulhão e os seus irmãos seguiram pela "Estrada de Carlos Magno" como, segundo o cronista Roberto o Monge, Urbano II terá chamado a este trajecto (que passava por Ratisbona, Viena, Belgrado e Sófia).

Ao passarem pela Hungria tiveram alguns conflitos com os locais, que já tinham sido atacados pelas diferentes vagas da Cruzada Popular. O rei Colomano exigiu um refém para garantir a conduta correcta dos cruzados, e por isso Balduíno de Bolonha ficou em poder dos húngaros até os seus companheiros saírem deste território.

Depois de mais algumas escaramuças no domínios do Império Bizantino, os bolonheses foram o segundo exército a chegar a Constantinopla, em Novembro, e mais uma vez não conseguiram evitar que as suas forças pilhassem os territórios vizinhos. O imperador Aleixo I Comneno foi forçado a ceder um refém aos cruzados para repôr a paz, e o escolhido foi o seu filho e futuro imperador João II Comneno, que foi confiado a Balduíno.

Boemundo de Taranto tinha motivações geopolíticas específicas aos seus domínios para se envolver em uma expedição até territórios bizantinos. Partiu do sul da Itália assim que as primeiras forças francesas passaram pelos seus domínios e chegou a Constantinopla em Abril de 1097.

O mais numeroso dos exércitos, encabeçado por Raimundo IV de Toulouse, era acompanhado pelo legado Ademar de Monteil. Com alguma dificuldade atravessaram a Dalmácia (atual costa croata) durante o Inverno. Ao chegar a Dyrrhachium, entraram na estrada romana Via Egnatia, que os levou a Tessalónica e depois a Constantinopla no 21 de Abril.

O último grande contingente, sob as ordens de Roberto II da Normandia, saíu de Brindisi e cruzou o mar Adriático, chegando à capital bizantina em Maio de 1097, dois meses depois da aniquilação da Cruzada Popular.

Em Constantinopla



Os barões cruzados no palácio imperial de Aleixo I Comneno (ilustração de uma monografia de Godofredo de Bulhão de 1891)

Com escassez de alimentos, os cruzados acampados às portas de Constantinopla esperavam que Aleixo I Comneno, que tinha solicitado a sua ajuda, alimentasse a vasta multidão, reforçada pelos ainda mais miseráveis sobreviventes da Cruzada Popular.

Outros populares pobres, sem equipamento, armas e armaduras adequadas para a campanha militar, tinham acompanhado os vários nobres. Pedro o Eremita, que se juntara à Cruzada dos Nobres em Constantinopla, foi responsabilizado pelo bem-estar destes pauperes, que assim se organizaram em pequenos grupos, geralmente liderados por um nobre também empobrecido.

O imperador bizantino estava apreensivo quanto a esta multidão, frequentemente hostil, que provocara incidentes com os povos dos locais por onde passava, para além da sua experiência anterior com os peregrinos da Cruzada Popular. Para além disso, o seu velho inimigo Boemundo de Taranto liderava parte da expedição.

Pretendendo exercer algum controlo sobre os cruzados, em troca de provisões e transporte para a Ásia Menor, Aleixo exigiu que os líderes da cruzada lhe prestassem um juramento de vassalagem e prometessem entregar ao controlo bizantino todas as terras que conquistassem aos turcos. O braço de ferro entre orientais e ocidentais quase levou a um conflito armado em grande escala na capital do império.

Sem alternativa, a maioria dos líderes sujeitou-se ao juramento, que acabariam por não cumprir. Outros, como Tancredo de Hauteville, recusaram-se terminantemente, e Aleixo acabou por ceder em fornecer provisões e transporte a todos. Raimundo IV de Toulouse terá sido o mais hábil político, evitou fazer o juramento ao prometer vassalagem ao imperador apenas se este liderasse pessoalmente a cruzada. O bizantino recusou, mas ambos se tornaram aliados, partilhando uma apreensão em comum sobre a pessoa de Boemundo.

Na Anatólia

Para acompanhar os cruzados através da Ásia Menor, Aleixo enviou um exército bizantino liderado por um general chamado Tatizius. Conforme o acordado em Constantinopla, o seu primeiro objectivo era a tomada de Niceia, recentemente conquistada pelos seljúcidas, e agora a capital do Sultanato de Rum. Boemundo de Taranto tornou-se no principal líder da Primeira Cruzada no percurso de Constantinopla a Antioquia. Comandou um cerco algo ineficaz a Niceia, uma vez que não foi possível controlar os movimentos no lago que bordeava a cidade, e por onde esta continuava a poder receber abastecimentos e fazer comunicações.





Mapa da Anatólia em 1097, antes do cerco de Niceia e da batalha de Dorileia

O sultão Kilij Arslan I, fora da cidade, aconselhou os seus soldados a renderem-se se a sua situação se tornasse insustentável. Temendo que os cruzados saqueassem Niceia e a destruíssem, ou que não cumprissem o seu juramento de lhe entregar as suas conquistas no Levante, durante a noite Aleixo I Comneno negociou em segredo a rendição da cidade ao Império Bizantino.

Na manhã de 19 de Junho de 1097 os cristãos latinos surpreenderam-se ao ver o estandarte bizantino nas muralhas da cidade. Proibidos de saquear, só lhes foi permitida a entrada na cidade de pequenos grupos, sob escolta.

Sentindo-se traídos pelos seus aliados, e depois de coagidos a prestar o juramento de vassalagem, a partir deste momento os cruzados começaram a sentir-se sozinhos na sua expedição, sem obrigações para com os bizantinos.

Para simplificar o problema dos abastecimentos, o exército cristão dicidiu-se em dois grupos: na vanguarda, Boemundo, Tancredo de Hauteville, Roberto II da Normandia e Roberto II da Flandres, ainda acompanhados de forças imperiais; na retaguarda, Godofredo de Bulhão, Balduíno de Bolonha, Raimundo IV de Toulouse, Estêvão de Blois e Hugo I de Vermandois. Estêvão de Blois escreveu para a sua esposa neste período, dizendo acreditar que a marcha até Jerusalém demoraria cinco semanas. Na verdade, demoraria dois anos, e Estêvão abandonaria a cruzada antes disso.


Entrada de Balduíno de Bolonha em Edessa em 1098 (pintura de J.Robert-Fleury, 1840)

A 1 de Julho, o grupo de Boemundo foi cercado nas proximidades de Dorileia. Godofredo e mais alguns do segundo grupo vieram em auxílio de Boemundo, mas seriam as forças do legado Ademar de Monteil, provavelmente comandadas por Raimundo de Toulouse, que tornariam a batalha numa vitória decisiva dos cruzados.

Kilij Arslan retirou e os cruzados continuaram quase sem oposição através da Ásia Menor, na direcção de Antioquia. Pelo caminho conquistaram algumas cidades - Sozopolis, Iconium e Cesareia Mazaca - apesar de a maioria destas voltar para o domínio turco em 1101.

Em pleno Verão a marcha era difícil, e os cruzados tinham pouca comida e água, pelo que homens e cavalos morriam em grande número. Apesar de ofertas de alimentos e dinheiro que por vezes recebiam de outros cristãos na Ásia e na Europa, os peregrinos viam a sua sobrevivência dependente de pilhagens aos poucos locais com recursos por onde passavam.

Ao mesmo tempo, os diferentes líderes continuavam a disputar a primazia militar da expedição. Apesar de nenhum se conseguir afirmar decisivamente, a liderança espiritual era universalmente reconhecida no bispo Ademar de Monteil.

Em Heraclea Cybistra, Balduíno de Bolonha e Tancredo de Hauteville separaram-se das restantes forças, entrando em conflito entre si pela posse de Tarso e outras praças que conquistariam aos cristãos arménios, ambos tentando estabelecer os seus feudos no Levante. Mas a situação nunca passou de pequenas escaramuças, tendo Tancredo acabado por continuar a sua marcha para Antioquia.

Depois de se juntar ao exército principal em Marach, Balduíno recebeu o convite de um arménio chamado Bagrat e seguiu para leste, em direcção ao rio Eufrates, onde tomou a fortaleza de Turbessel. Depois recebeu outro convite, desta vez de Teodoro de Edessa, um ortodoxo grego em conflito com a ortodoxia arménia dos seus súbditos.

Balduíno foi-se impondo na política deste isolado domínio, depois ameaçou partir para se juntar aos restantes cruzados, obrigando o governante a adoptá-lo como filho e herdeiro. Teodoro foi assassinado a 9 de Março de 1098 e Balduíno sucedeu-o, tomando o título de conde e assim criando o primeiro estado cruzado - o Condado de Edessa.

Conquista de Antioquia





O massacre de Antioquia, ilustração de Gustave Doré

(século XIX)Os cruzados tinham ouvido o rumor que Antioquia tinha sido abandonada pelos turcos seljúcidas, pelo que se apressaram a tomá-la. Mas ao chegar aos arredores da cidade a 20 de Outubro, verificaram que esta ainda estava ocupada e disposta a oferecer grande resistência, protegida por imponentes muralhas. Para além disso, a cidade era tão grande que os invasores não tinham homens suficientes a cercá-la eficazmente, pelo que foi parcialmente abastecida pelo exterior.

Durante os oito meses do cerco, em que tiveram de combater contra um exército de Damasco e outro de Alepo, os cruzados passaram por grandes dificuldades. Foram forçados a comer até os próprios cavalos ou, conforme as lendas, os corpos dos companheiros cristãos que não sobreviveram.

Estêvão de Blois e Hugo I de Vermandois abandonaram esta expedição, acabando depois por aderir à Cruzada de 1101 para cumprir o seu voto. Balduíno de Edessa enviou dinheiro e mantimentos ao exército latino, apesar de não participar pessoalmente na acção militar.

Face às dificuldades do cerco, Boemundo de Taranto viu a ocasião de tomar um domínio para si. Imediatamente ameaçou, com o pretexto da demora, voltar a Itália para trazer reforços, mas as suas capacidades estratégicas e a importância do contingente que o acompanhava eram absolutamente necessárias à cruzada. Por isso foi-lhe prometido tudo o que quisesse para continuar.

Entretanto a partida de Tatizius, o representante do Império Bizantino, deu-lhe um pretexto para alegar uma traição, o que podia autorizar os cruzados a considerarem-se livres do seu juramento a Aleixo I Comneno.





Iluminura medieval de Ademar de Monteil (com a mitra) empunhando a lança do destino no cerco de Antioquia

Quando chegaram notícias da aproximação de Kerbogha de Mossul, Boemundo pressionou um sentinela arménio, com quem tinha vindo a trocar comunicações, para permitir a entrada de um pequeno grupo de cruzados para abrir as portas da cidade ao exército principal. O plano teve lugar a 3 de Junho de 1098, seguindo-se o massacre dos habitantes muçulmanos da cidade.

Somente quatro dias depois, Kerbogha chegou para sitiar os até ao momento sitiadores da cidade. Devido ao longo cerco a que tinham sujeitado Antioquia, havia pouco alimento e a peste alastrava-se. Aleixo Comneno vinha a caminho para auxiliar os cruzados mas voltou para trás ao ouvir as notícias de que a cidade já tinha sido retomada.

No entanto estes ainda resistiam, moralizados por um monge chamado Pedro Bartolomeu que afirmou ter descoberto a lança do destino, que ferira o flanco de Cristo na cruz. Com este novo objecto santo à cabeça do exército, marcharam ao encontro dos muçulmanos, a quem derrotaram miraculosamente - milagre segundo os cruzados, que afirmavam ter surgido um exército de santos a combater juntamente com eles no campo da batalha.

Boemundo pretendeu tomar Antioquia para um seu domínio, mas nem todos os outros líderes concordaram, particularmente Raimundo IV de Toulouse, e a cruzada atrasou enquanto os nobres criavam partidos e discutiam. Historiograficamente entende-se que os francos do norte da França, os provençais do sul da França e os normandos do sul da Itália se consideravam "nações" separadas no todo do exército, e que cada contingente se unia para ganhar poder sobre os outros. Este pode ter sido um dos motivos para as disputas, mas a ambição pessoal dos líderes terá também tido um peso muito importante.


As atrocidades dos cruzados


(século XIII, Biblioteca Nacional de França)


Entretanto, a fome e a peste (provavelmente tifo) alastravam, matando inclusivamente o único líder incontestado e principal unificador da expedição, Ademar de Monteil. Em Dezembro, a cidade de Ma'arrat al-Numan foi conquistada depois de um cerco, seguindo-se o marcante incidente de um novo massacre e do canibalismo dos cruzados aos habitantes locais.

Descontentes, os nobres menores e os soldados ameaçaram seguir para Jerusalém sem os seus líderes mais notáveis. Sob esta pressão, no início de 1099 Raimundo de Toulouse (o mais carismático devido à sua crença no poder da santa lança) liderou a marcha para a cidade santa, deixando Boemundo livre para se estabelecer no seu Principado de Antioquia - o segundo estado cruzado.

Conquista de Jerusalém

Em Dezembro de 1098/Janeiro de 1099, Roberto II da Normandia e Tancredo de Hauteville tornaram-se vassalos do mais poderoso e rico Raimundo IV de Toulouse. Godofredo de Bulhão, apoiado pelo seu irmão Balduíno de Edessa, recusou-se.

A 13 de Janeiro, Raimundo iniciou a marcha em direcção ao sul, descalço e vestido como um peregrino, percorrendo a costa do mar Mediterrâneo. Os cruzados enfrentaram pouca resistência, uma vez que os pouco poderosos governantes muçulmanos locais preferiram comprar uma paz com provisões em vez de lutar. Também é provável que estes, pertencentes ao ramo sunita do Islão, preferissem o controlo de estrangeiros ao governo xiita dos fatímidas.

A caminho encontrava-se o emirado de Trípoli. Em 14 de Fevereiro o conde de Toulouse iniciou o cerco de Arqa, uma cidade deste domínio. Provavelmente, uma das suas intenções seria fundar um território independente em Trípoli que limitasse a capacidade de Boemundo expandir o seu principado para sul. Mas o cerco demorou mais do que o previsto e, apesar de algumas conquistas menores no local, o atraso da cruzada para Jerusalém fez-lhe perder muito do apoio que ganhara em Antioquia.



A conquista de Jerusalém em 1099, a partir de um manuscrito medieval


A cruzada prosseguiu a 13 de Maio, ao longo da região costeira, passando por Beirute no dia 19 e Tiro a 23. Em Jaffa abandonaram a costa e a 3 de Junho alcançaram Ramla, que tinha sido abandonada pelos seus habitantes. No dia 6 Godofredo enviou Gastão IV de Béarn e Tancredo de Hauteville para a bem sucedida conquista de Belém, e a 7 de Junho de 1099 os cruzados chegaram a Jerusalém, acampando no exterior da cidade. O exército cristão ficara reduzido a cerca de 1.200/1.500 cavaleiros e 12.000/20.000 soldados de infantaria, carentes de armas e provisões.

Um padre chamado Pedro Desiderius ofereceu uma solução de fé: afirmou que uma visão divina lhe tinha dado instruções para que os cristãos jejuassem e depois marchassem descalços em procissão ao redor das muralhas da cidade; estas cairiam em nove dias, da mesma forma que a Bíblia relata ter acontecido com Josué no cerco de Jericó. A procissão realizou-se no dia 8 de Julho.

Entretanto, uma frota da República de Génova liderada por Guilherme Embriaco desmantelara os seus navios para construir torres de assalto com a sua madeira, com as quais foi possível derrubar secções das muralhas. O ataque principal ocorreu a 14 e 15 de Julho (uma sexta-feira santa, sete dias depois da procissão).

Vários nobres reclamaram a honra de terem sido os primeiros a penetrar na cidade. Segundo uma das crónicas da época, a exacta sequência terá sido Letoldo e Gilberto de Tournai, depois Godofredo de Bulhão e o seu irmão Eustácio III de Bolonha, Tancredo e os seus homens. Outros cruzados entraram pela antiga entrada dos peregrinos.





Eleição de Godofredo de Bulhão como Protector do Santo Sepulcro (iluminura da Histoire d'outremer, Guilherme de Tiro, c.1280)

Durante a tarde e noite do dia 15 e manhã do dia seguinte, os cruzados massacraram a população de Jerusalém - muçulmanos, judeus e cristãos do oriente. Godofredo de Bulhão não terá participado deste aspecto mais violento,

Tancredo de Hauteville e Raimundo de Toulouse teriam tentado proteger alguns grupos da fúria assassina, mas na generalidade falharam: a maioria dos relatos só diverge na descrição da quantidade de cadáveres amontoados ou de sangue que escorria pelo chão - segundo um cronista "Nunca ninguém tinha visto ou ouvido falar de tal mortandade de gentes pagãs". A estimativa do número de mortos varia entre 6.000 e 40.000. Segundo o arcebispo Guilherme de Tiro, os próprios vencedores ficaram impressionados de horror e descontentamento.

Assim que a tomada da cidade foi concluída, era necessário estabelecer um governo. A 22 de Julho, realizou-se um concílio na Igreja do Santo Sepulcro. Raimundo IV de Toulouse foi o primeiro a recusar o título de rei, talvez tentando provar a sua piedade, mas provavelmente esperando que os outros nobres insistissem na sua eleição.

Godofredo de Bulhão, que se tornara no nobre mais popular depois das acções do conde de Toulouse no cerco de Antioquia, aceitou o cargo de líder secular, mas recusou-se a ser coroado rei na cidade onde Cristo usara a coroa de espinhos.

O seu título ficou assim mal definido - teria sido Advocatus Sancti Sepulchri (Protector do Santo Sepulcro), princeps (príncipe) ou dux (duque). Raimundo terá ficado desagradado com isto e saíu com o seu exército para acabar por cercar Trípoli.

A 12 de Agosto teve lugar a última batalha da Primeira Cruzada, com a relíquia da cruz na qual Jesus teria sido crucificado (descoberta no dia 5) na vanguarda do exército - em Ascalon, Godofredo de Bulhão e Roberto II da Flandres venceram os fatímidas.

Depois disto, a maioria dos cruzados, entre os quais Roberto da Flandres e Roberto da Normandia, considerou os seus votos cumpridos e voltou para a Europa. Segundo Fulquério de Chartres, apenas algumas centenas de cavaleiros permaneceram no reino recém-formado.

Cruzada de 1101


O sucesso da Cruzada dos Nobres e a necessidade de reforços para a defesa dos novos estados cruzados, depois do regresso dos peregrinos que consideraram o seu voto cumprido, levaram o papa Pascoal II, sucessor de Urbano II a incentivar uma nova expedição.

A pressão para partir para a Terra Santa foi ainda maior para os que tinham tomado a cruz mas não tinham chegado a sair da Europa, ou para os que abandonaram a Primeira Cruzada antes da conquista de Jerusalém. Objecto de troça ou desprezo pelas suas famílias e ameaçados de excomunhão pelo clero, nobres como Estêvão de Blois e Hugo I de Vermandois lideraram uma nova peregrinação: a Cruzada de 1101.


Mapa da Cruzada de 1101 na Anatólia

Em Nicomedia, a Estêvão de Blois se juntaram os lombardos de Anselmo IV, arcebispo de Milão, o conde Estêvão I da Borgonha o duque Odo I da Borgonha e Conrado, condestável do imperador Henrique IV da Germânia. Os bizantinos do general Tatizius reforçaram o contingente, e a liderança da expedição passou para Raimundo IV de Toulouse.

Depois de conquistarem Ancara, que ficou em poder de Aleixo I Comneno, cercaram Gangra e depois tentaram conquistar Kastamonu, onde foram acossados pelos seljúcidas. Depois dirigiram-se para Mersivan, território dos danismendidas, para tentar resgatar o aprisionado Boemundo I de Antioquia.

Na batalha que se seguiu, foram derrotados pelo sultão Kilij Arslan I, aliado às forças de Alepo. Os bizantinos e os líderes Raimundo de Toulouse, Estêvão de Blois e Estêvão da Borgonha fugiram para Constantinopla.

Pouco depois do primeiro contingente sair de Nicomedia, chegou o exército do conde Guilherme II de Nevers. Este fracassou no cerco a Iconium e depois foi emboscado por Kilij Arslan I em Heraclea Cybistra, onde as suas forças foram aniquiladas, tendo sobrevivido apenas o conde e alguns dos seus homens.

Depois de Guilherme II de Nevers ter saído de Constantinopla, chegava um terceiro exército, comandado por Guilherme IX da Aquitânia, Hugo I de Vermandois e Guelfo I da Baviera. Parte destes seguiram para a Palestina por navio; os restantes repetiram a expedição de Nevers, dirigindo-se para Heraclea Cybistra, sendo emboscados pelo sultão danismendida e os poucos sobreviventes, entre os quais os três líderes, fugindo para território bizantino.

Mais uma vez sob a liderança de Raimundo de Toulouse, os sobreviventes reorganizados e reforçados por mais peregrinos conquistaram Tartuos, com a ajuda de uma frota genovesa, chegando a Antioquia no final do ano de 1101, e a Jerusalém na Páscoa de 1102.

As derrotas da Cruzada de 1101 tiveram como consequência o estabelecimento do poder danismendida e da sua capital em Konya, e uma nova atitude dos muçulmanos, que agora sabiam que os cruzados não eram invencíveis, como parecera durante a Cruzada dos Nobres.

Cruzados e bizantinos culparam-se mutuamente pelo fracasso, que deixava como único trajecto para a Terra Santa o marítimo, que beneficiava as cidades-estado italianas, os navegadores mais bem sucedidos da época. O Principado de Antioquia também beneficiou de não haver uma ligação entre os estados cruzados e o Império Bizantino, podendo assim manter a sua independência.

Análise da Primeira Cruzada

Estados Cruzados

A consequência geopolítica mais marcante da Primeira Cruzada foi o estabelecimento dos estados cruzados no Levante: condado de Edessa, Principado de Antioquia, Reino Latino de Jerusalém e Condado de Trípoli, bem como o fortalecimento de outras unidades políticas cristãs na Anatólia: Império Bizantino e Reino Arménio da Cilícia.



Os estados cruzados no Levante em 1140

Quando Godofredo de Bulhão morreu em 1100, o seu irmão Balduíno I de Edessa foi eleito primeiro rei de Jerusalém. Durante a sua história, este estado foi frequentemente o suserano dos restantes, que apesar disso mantiveram um elevado grau de independência. O sistema feudal europeu foi adoptado no Oriente, com algumas alterações.

O sucesso da expedição encorajou mais peregrinos a tomarem a cruz, agora em números menores, não mais formando vastos exércitos. Os estados cruzados dividiam-se em facções políticas com base nas suas origens europeias: francos dos domínios directos da coroa francesa, normandos do sul da Itália, Normandia e Inglaterra, lombardos, provençais, aquitânios, burgúndios, flamengos, germânicos.

Os povos anteriormente presentes nestes territórios - muçulmanos, judeus, arménios e outros cristãos ortodoxos - não possuíam poder efectivo e foram dominados pelos latinos.

Desde o início da cruzada em conflito com o Império Bizantino, os governantes ocidentais agravaram as relações com Constantinopla ao renegar os juramentos dos líderes da Cruzada dos Nobres, substituir os patriarcas da Igreja Ortodoxa Bizantina pelos oriundos da Igreja Cristã Ocidental, e frequentemente atacar territórios imperiais.

Como minoria entre os muçulmanos e ortodoxos da região, os estados latinos mantinham-se em constante estado de guerra, construindo castelos e contratando mercenários, pilhando ou conquistando mais territórios aos seus vizinhos. Por aproximadamente um século, os três poderes acabaram por se manter em um conflito de guerrilha, com várias alianças pontuais, por vezes opondo muçulmanos ou latinos entre si.

Estes últimos possuíam a cavalaria pesada, mais eficaz num ataque corpo-a-corpo, mas mais lenta que os cavaleiros muçulmanos, que podiam cavalgar ao redor dos inimigos usando a sua perícia de arqueiros.

Uma vez que três dos quatro estados cruzados localizavam-se no litoral, as frotas das cidades-estado mercantis italianas, nomeadamente Génova e Veneza, tornaram-se fundamentais para a sobrevivência destes estados: permitiram a chegada de reforços e a intercepção das esquadras muçulmanas, tornando novamente o Mediterrâneo num mar navegável para os ocidentais.

Ordens militares



Insígnia da Ordem dos Templários

Pouco depois do estabelecimento dos estados cruzados, foram criadas ordens militares: os Hospitalários em 1113 e os Templários em 1118, na maioria de origem franca; e os Teutónicos de origem germânica. De forma a proteger os territórios cristãos, os líderes dos estados cruzados atribuíram-lhes o domínio de diversas fortalezas na Terra Santa.

Estas ordens de monges cavaleiros, disciplinadas e tomadas de zelo religioso, reflectiam a nova atitude do papado, que encarava a guerra santa como penitência pelos pecados. Nascia assim o guerreiro religioso e reinventava-se o ideal da cavalaria.

Peregrinos

Apesar de se dar o nome de Primeira Cruzada a este conjunto de expedições, deve-se salientar que termo cruzado foi uma criação do início do século XIII, que surge documentado em latim apenas um século após a conquista da Cidade Santa. Estes primeiros cruzados viam-se assim simplesmente como peregrinos (peregrinatores) em viagem (iter), e foram assim referidos pelos cronistas seus contemporâneos.

Ao tomarem a cruz, juravam alcançar o Santo Sepulcro, e se não cumprissem este voto arriscavam a excomunhão, como aconteceu com Estêvão de Blois. As peregrinações eram abertas a todos os cristãos, mas mulheres, idosos ou doentes eram desencorajados, apesar de não impedidos.

E o facto de usarem armas para atacar e se defenderem dos infiéis era apenas mais um componente que valorizava a peregrinação. Assumiam como padroeiro São Jorge da Capadócia, exemplo do cavaleiro cristão, e o seu brasão de armas, a cruz vermelha num escudo branco. Era assim criado o guerreiro peregrino, com direito à indulgência e ao estatuto de mártir, se morresse em batalha.

As motivações dos cruzados variavam entre a ambição de criar novos feudos, dever de acompanhar o seu senhor feudal, redenção dos pecados e bênção espiritual, ou a busca da glória em batalha.

A ambição de ganhos materiais terá tido também alguma influência - uma vez que na Reconquista, da qual participou por exemplo Raimundo IV de Toulouse, muitos guerreiros conseguiram obter o lucro das pilhagens ou parte das terras reconquistadas, poder-se-ia esperar lucros semelhantes ou superiores nos mais vastos territórios do ultramar.


Ilustração de cruzados na Enciclopédia Larousse de 1922

Mas as expedições provaram ser extremamente dispendiosas, mais facilmente suportadas por nobres poderosos de famílias abastadas, como Hugo I de Vermandois. E mesmo estes foram frequentemente forçados a vender parte das suas terras para obter verbas, uma vez que era necessário que partissem da Europa com dinheiro para toda a duração da cruzada. Muitas vezes as vendas eram feitas à Igreja, como fez Godofredo de Bulhão, o que aumentava ainda mais a piedade dos peregrinos.

Este dinheiro acabava sempre por render menos do que o esperado, uma vez que um grande número de recém-chegados a terras estranhas, tentando comprar provisões, aumentava a procura em relação à oferta. Outros endividaram também os seus familiares, ou acabaram por forçar estes a tomar a cruz, de forma a os sustentar. Outros foram proibidos de aderir à cruzada devido às suas responsabilidades na Europa.

O povo e os cavaleiros de menos posses (minores), em oposição aos de alto estatuto (principes), só poderiam contar com as esmolas que o seu estatuto de peregrinos lhes conferia, para se manterem na expedição.

Em alternativa, podiam colocar-se ao serviço de um príncipe, como fez Tancredo de Hauteville com o seu tio Boemundo de Taranto. As cruzadas seguintes seriam organizadas por reis e imperadores, que custeavam as suas despesas por meio de um imposto de cruzada aos seus súbditos.

Os sobreviventes que voltavam à Europa Ocidental depois de terem chegado a Jerusalém eram tratados como heróis. Roberto II da Flandres recebeu o cognome de Hierosolymitanus (o de Jerusalém), Godofredo de Bulhão tornou-se num personagem lendário que encarnava o ideal da cavalaria, pouco depois da sua morte. Mas muitas vezes a situação política das terras natais dos nobres cruzados foi afectada pelas suas ausências: por exemplo, Roberto II da Normandia perdeu o trono inglês para o seu irmão Henrique I da Inglaterra.

Bizantinos e muçulmanos



Mapa do Império Bizantino (a vermelho) imediatamente após a Primeira Cruzada

O estabelecimento dos estados cruzados no Levante inverteu por algumas décadas o ascendente bélico dos turcos seljúcidas frente ao Império Bizantino. Estes conseguiram reconquistar parte do seu território na Anatólia e usufruir de um período de relativa paz e prosperidade no século XII, até se tornarem nas vítimas da Quarta Cruzada.

Tal como na Reconquista, o sucesso da Primeira Cruzada deveu-se em grande parte à rivalidade entre os pequenos estados muçulmanos, que se manteve mesmo face à óbvia brutalidade dos novos invasores. Eventualmente foi estabelecido um sistema em que cidades-estado como Damasco, ou sultanatos como o dos fatímidas do Egipto, se aliaram ou pagavam um tributo aos estados latinos. Mas os excessos do zelo religioso cristão acabariam por propiciar a ascensão de carismáticos líderes islâmicos.

Em 1144, depois de unificar a Síria e o norte do Iraque, Imad ad-Din Zengi conseguiu poder suficiente para derrotar e expulsar os cristãos do Condado de Edessa, o que originaria a fracassada Segunda Cruzada. O seu filho Nur ad-Din prosseguiria esta política e o sucessor deste, Saladino, reconquistaria a cidade de Jerusalém em 1187. Por fim, em 1291 os mamelucos erradicariam a presença latina no Levante.

Fontes

O Wikimedia Commons possui uma categoria contendo imagens e outros ficheiros sobre Primeira Cruzada Testemunhos medievais

As cruzadas em geral geraram inúmeros relatos, histórias e crónicas medievais. Os barões da Cruzada dos Príncipes eram acompanhados de um séquito de nobres menores e membros do clero.

Muitos destes, que eram letrados, geraram uma fonte de informações contemporâneas que documentou minuciosamente a expedição, mesmo tendo em conta a parcialidade dos autores.

As comunidades judaicas escreveram sobre as agressões a que tinham sido sujeitas e os muçulmanos, com uma cultura em geral superior à europeia da época, deixaram escritos com o seu ponto de vista. De entre estas fontes primárias é possível salientar.

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E foi devido às Cruzadas que nasceu o Condado Portucalense

Antes de se tornar um país independente, Portugal era um pequeno território no norte da Península Ibérica e pertencia ao reino de Leão. Chamava-se Condado Portucalense.


O Condado Portucalense era uma parcela de terra que ia do rio Minho ao rio Douro.

Conde D. Henrique

Foi entregue a um nobre francês, de nome Conde D. Henrique de Borgonha, como recompensa de ter ajudado o rei de Leão na "Reconquista Cristã", ou seja, a reconquistar território aos mouros.



A Declaração dos Direitos Humanos, garante liberdade de Religião.

A liberdade de religião e de opinião é considerada por muitos como um direito humano fundamental. A liberdade de religião inclui ainda a liberdade de não seguir qualquer religião, ou mesmo de não ter opinião sobre a existência ou não de Deus (agnosticismo e ateísmo).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pelos 58 estados membros conjunto das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, no Palais de Chaillot em Paris, (França), definia a liberdade de religião e de opinião no seu artigo 18:

Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observâcia, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

A liberdade de religião, enquanto conceito legal, ainda que esteja relacionada com a tolerância religiosa, não é idêntica a esta - baseando-se essencialmente na separação da Igreja do Estado, ou laicismo, sendo a laicidade (laïcité, no original), o estado secular que se pretende alcançar.

Historicamente, a "liberdade de religião" tem sido usado para referir-se a tolerância de diferentes sistemas de crença teológicas, ao passo que a "liberdade de culto" foi definida como a liberdade de ação individual. Cada um destes elementos existiram em diferentes graus na história. Embora muitos países na Antiguidade, Idade Média e Moderna tenham aceitado alguma forma de liberdade religiosa, ela foi frequentemente limitada, na prática, através de uma tributação punitiva, uma legislação repressiva socialmente e a privação de direitos políticos.

A liberdade de culto religioso foi estabelecida no Império Máuria da Índia por Asoka, no século III a.C., que foi oficializado nos "Éditos de Ashoka".

Na Império Romano e na Grécia devido ao grande sincretismo, frequentemente comunidades eram autorizadas à possuir seus próprios costumes. Quando multidões nas ruas enfrentavam-se por questões religiosas, a questão era geralmente considerada uma violação dos direitos da comunidade.

Algumas das exceções históricas foram as regiões onde religiões possuiam uma posição de poder: o judaísmo, zoroastrismo, cristianismo e islamismo. Outros casos de repressão ocorreram quando a ordem estabelecida se sentiu ameaçada, como mostrado no julgamento de Sócrates, ou onde o governante foi deificado, como em Roma, e a recusa a oferecer sacrifício simbólico foi semelhante ao se recusar a prestar um juramento de fidelidade, sendo esta a razão da perseguição aos cristãos.

A liberdade religiosa para os muçulmanos, judeus e pagãos foi declarada por Maomé no século VII d.C. O Califado islâmico garantia a liberdade religiosa, nas condições que as comunidades não-muçulmanas aceitassem certas restrições e pagassem alguns impostos especiais.

Fonte - Enciclopédia livre

Será para dizer que depois da casa arrombada, portas nova.

O Papa e senhores feudais foram os maiores criminosos da história, esta declaração, acima descrita, não passa do papel, e o mundo continua em conflitos religiosos, não só contra o islamismo, como até entre católicos e protestantes, mas enfim, quem têm Fé, essa jmais será abalada.

Nos dias de hoje mata-se em nome da Fé e usando a Fé se mata.

O Alcorão diz: "Não é a carne nem o sangue que alcança Alá;. É a sua piedade, que chega até ele" (Alcorão 22:37) Para muitos ativistas, incluindo Hassan, este deve ser tomado como o início de acabar com o abate ritual de animais, em nome da fé.













Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente exposiçao sobre as cruzadas dos templarios nos diversos seculos da Idade Média.